Acho que era outubro. E 1997. E quente. Disso estou certo.
Estávamos na viagem de campo, do último período do curso de Geologia da ETFRN. Xique-xique, macambira, olho-de-gato. Quente feito a peste. Andávamos o dia todo mapeando uma área de 100km², na região da mina Brejuí. Seridó bonito da peste!
Uma semana de trabalho duro. Cara e indumentária de cangaceiro. Quem foi de Geologia da ETFRN sabe como é. Calça jeans e bata azul. Camisa por baixo. Boné e manteiga-de-cacau nos beiços, para não rachar feito o chão dali. A água era carregada em pesados botijões. O gelo era colocado antes de sairmos, para ajudar a esfriar, mas não chegava às 11h. Agua quente da peste...
Nas mãos ainda vinham facões, estiletes, canos com mapas da área e fotos aéreas. Mais pranchetas e comida. O recheio do biscoito derretia e descia queimando os "grugumilo". Para descansar, sentávamos em pedra quente, sob um filete de sombra de um galho. E enquanto andávamos, como o fim da picada, um filho de Deus tinha que contar os passos, pra medir as distâncias.
Acho que era o quarto dia de "Pagador de Promessa". Fabiana, Sabrina e Manassés, os companheiros de suplício. Uma semana seguida vendo gente somente à noite, quando voltávamos para a pousada Gargalheiras (hora que valia a pena). Até que nesse dia, saimos da caatinga e encontramos a BR-226, onde o carro iria nos pegar. À beira da rodovia, uma parada de ônibus e sob ela, uma miragem.
Um puro e original matuto do sertão. Seu Abdias aparentava ter uns 65 anos. Camisa de candidato de dez eleições atrás, bermuda esburacada, sandália emendada de arame. Mas carregava em sua expressão a beleza de sua alma. A vivência, a pureza, a bondade, a matutez. Pernas rigorosamente cruzadas, queixo repousado sobre as mãos. Ah, velho bonito da peste...
Cansados como quê, nos jogamos embaixo da parada. Ficamos olhando Seu Abdias como em transe coletivo. Até que um de nós puxou assunto. Nome, idade, onde morava, o velho foi falando. Até que Sabrina, na tentativa de um alento para os pés massacrados nas solas e calejados nos calcanhares, quis arrancar um pouco da sabedoria do antigo seridoense.
-Seu Abdias, o que é bom pra pé cansado? - perguntou a menina de cabelos cacheados.
E o velho, de forma magnânima, soberana, como uma entidade:
-Descansar o pé, né, minha fia?
E desabou numa deliciosa gargalhada. Desse jeito.
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
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